04 maio 2011

As peripécias de uma equipa de... Tezos!

Nem só de vitórias vive o desporto motorizado. Para muitos, o espírito e a amizade movimentam as mais diversas dificuldades e conduzem sempre a um resultado final de nível, mesmo quando a classificação final não espelha isso. Vale a pena ler este diário de bordo da equipa Filipe Martins/Pedro Monteiro, relativo ao Rali de Famalicão, feito na primeira pessoa e certamente estará dentro do espírito das corridas!

Estava eu calmamente sentado e fazendo o rescaldo à minha participação no Rali de Famalicão 2011, quando dei conta, já eu escrevia algumas linhas. Foi então que decidi partilhar com todos os leitores do blog FAMALICÃO MOTOR toda a história da minha participação.

Tudo começou cerca de três meses antes da realização da prova, quando em conversa com o Pedro lhe coloquei o desafio de juntos fazermos o rali da nossa terra. Convite que de pronto foi aceite, mas aqui havia um senão, pois o carro estava sem motor e nós nada ou quase nada percebe-mos de mecânica.

Como eu e o Pedro fazemos parte do corpo activo dos Bombeiros de Famalicão, falamos com dois amigos, o João e o Morais, que de pronto se mostraram com vontade de abraçar o projecto.

Chegou altura de arregaçar as mangas e deitar mão ao trabalho, na garagem onde estava o carro que logo virou ateliê de mecânica improvisado. Nós, os quatro olhávamos para o pequeno Fiat e, não sabíamos por onde começar, pois tínhamos à nossa frente a árdua tarefa de voltar a pôr o Cinquecento a rolar.

O João e Morais ficaram inicialmente com a tarefa de montar o eixo traseiro e o depósito do combustível, sempre com ajuda do Pedro. Enquanto via o montar e desmontar destes dois órgãos mecânicos, eu e a Edite íamos tratando daquilo que deveria ser a ultima coisa, ou seja a decoração.

Concluída a primeira fase da reconstrução do carro, e já com as massas mobilizadas em força, pois a equipa já havia crescido com a entrada da Edite, do Luís, Pedro Pereira, Félix, Costinha, Armindo e Zé Pedro, era altura de pensarmos em colocar o motor no lugar. E foi aqui que as coisas se complicaram.


Estava previsto o italiano levar um novo motor, com mais potência, mas a caixa de velocidades que tínhamos não encaixava nele, e é aqui que todos ficamos a olhar uns para os outros, e viamos o sonho ir por água abaixo. Entre desmontar e cortar caixas de velocidades à rebarbadeira, e experimentar uma série delas, recebemos na equipa a entrada do José Pereira, um amigo de longa data que também participou no Rali de Famalicão como piloto.


Colocando o seu próprio carro em segundo plano, o Zé foi incansável, contando sempre com ajuda do João e do Morais, fizeram de tudo para ver se conseguíamos levar a nova mecânica no rali. Coisa que infelizmente não foi possível. Sem motor, também não podíamos participar no rali e o sonho estava prestes acabar. Mas as dicas de navegação que tinha dado ao Pedro, meu navegador e grande amigo vieram ao de cima e em algumas palavras ele dizia-me, “vamos desistir agora? Não és tu quem me dizes que primeiro sofre-se e só depois se atinge a glória. Onde está o teu espírito de sacrifício?”. E foi no fundo graças a estas palavras e ao incentivo de toda a equipa, que à última da hora tivemos que fazer aquisição de um motor igual ao que tínhamos para podermos realizar a prova famalicense.


Chegado o motor, a sua montagem foi rápida, com o Zé e toda a equipa a mobilizarem-se num domingo de manhã para nesse mesmo dia ainda ouvir-nos o seu roncar. Com a questão do motor resolvida, uma semana antes da realização da prova fomos realizar um pequeno teste, a fim de acertar as ultimas afinações na máquina. E é aqui que tudo se volta a complicar!


Ao final da primeira volta, já eu parava, devido a um pequeno problema com um braço de suspensão traseiro. Coisa que o João, de pronto, resolveu colocando na traseira do Fiat umas suspensões mais macias. Até parecíamos uma equipa de fábrica, com vários tipos de suspensão. Entretanto, o novo motor apresentava uma falha, o que me deixou algo apreensivo pois não era normal. Tira ficha, mete ficha, troca centralina e nada, tudo na mesma. De regresso ao ateliê e com o dia de prova a chegar, levamos o carro ao Bruno, responsável da Auto Reparadora do Ribeirais, que depois de analisar o italiano não chegou a nenhuma conclusão, aconselhando-me a realizar um diagnóstico ao motor.


Na passagem pelo ateliê, e ainda antes de falar com o Bruno, o Ranginha reforçava os braços de suspensões de forma a não correr riscos de quebra no dia do rali. Seguidos pelo conselho do Bruno e do Zé, lá consegui arranjar quem me fizesse o dito diagnóstico ao motor. Levei o carro à Miranda Competições e depois de vários testes, o Pedro Miranda e, a meu pedido, coloca a válvula/sonda de gases e tudo num ápice se resolveu. Ainda hoje paira a dúvida se o problema estava na dita sonda. Após, ter dado uma volta no carro, e um grande abraço ao Pedro Miranda, regressamos até ao ateliê, a fim de terminar os preparativos do rali que se realizava no dia seguinte.


Com estes atrasos e contratempos, eu e o Pedro apenas tinhamos notas da classificativa de Fradelos, ficando as notas de Telhado para serem tiradas na madrugada de sexta-feira quando eram 2 da manhã. Às sete da manhã de sábado, já estávamos de novo no troço a conferi-las e tudo estava bem. Ao fim de duas passagens, lá nos deslocamos para o centro da cidade, e preparar-nos as verificações.

Chegados ao parque de assistência e, enquanto o Zé Ribeiro e o Pedro - meu navegador - foram tratar das verificações documentais, eu com os restantes membros da equipa montamos a tenda, colocamos a baias publicitárias, e colocamos o carro em posição de se colarem os números para de seguida realizar as verificações técnicas.


Com as técnicas a correrem na perfeição, só restava dar uma vista de olhos no Cinquecento, a fim de ultimar os últimos pormenores para a realização da prova, verificando a pressão de pneus, colocando gasolina para a primeira ronda e guardando o veículo em parque fechado. A partir daí, foi aguardar serenamente a hora de arranque da prova, em pura confraternização com os elementos da equipa, assim como com amigos e adversários de outras equipas. Aproximava-se a hora de partida, e eu estava algo apreensivo, pois normalmente e quando estou no papel de navegador tenho uma serie de coisas a fazer, como acertar o relógio, ver a hora de partida e, aqui não tinha que fazer nada apenas tinha que orientar o Pedro nesse sentido, e esperar calmamente junto dos outros pilotos que se encontravam no local.

No nosso minuto lá arrancamos, rumo à zona de assistência onde praticamente só tínhamos que colocar capacetes e na hora certa arrancarmos para o primeiro troço. A meio da ligação e, quando vamos em amena cavaqueira, verifico que o pequeno italiano está a começar aquecer, coisa que eu achei estranho, pois tudo tinha sido testado e até ali tudo estava nos conformes. É então que eu me lembro de tentar sangrar o circuito da água, errado, pois já a minha avó dizia que “ovelhas não são para mato”.


Quando tirei o sangrador a pressão da água era de tal ordem que o mesmo voou sem que eu o visse mais. Para não perder toda a água do circuito, e enquanto pensava numa solução para resolver o problema, coloquei um dos dedos da mão esquerda a tapar o tubo, uma coisa, mais uma vez errada, pois para além de um valente escaldão que resultou numa queimadura de segundo grau, por pouco não resolvia o problema. O mais caricato de tudo isto, é que enquanto eu estou fora do carro, o Pedro não se apercebe de nada, e muito calmamente vai colocando os cintos pensando que tudo estava sob controle.


É então que lhe pergunto, “tens aí abraçadeiras plásticas?”, e ele uma vez mais calmo diz-me, “eu não, mas passa-se alguma coisa?”, respondendo eu com um tom de exaltado, “perdi o parafuso do sangrador, e sem abraçadeiras não podemos continuar, pois vamos partir o motor”.Só aí ele se apercebe da gravidade da situação, e como uma flecha sai para fora do carro começando de imediato a procurar o dito parafuso que mais parecia uma agulha no palheiro. Parecia-mos dois malucos na apanha do gambozino, mas teimou em não aparecer. Naquele momento só me passava pela cabeça, todo o trabalho que tivemos dias a fio até chegar a este dia. Pensava nos patrocinadores que apesar de amigos acreditaram no projecto, e pensava nos amigos que impacientemente aguardavam a nossa passagem em pleno troço. Eu tinha que continuar em prova, e é então que me lembro que a chave de rodas estava presa com abraçadeiras plásticas, foi a solução.

Resolvido o problema, precisava de água para colocar o circuito ao nível. Chegados ao controle mesmo no nosso minuto, começo a pedir água a toda gente, é então que vejo um controlador a puxar de uma garrafa de litro e meio para beber, errado, pois se eu precisava de água para o carro, eu era a prioridade. Ele quando se apercebe já não tinha a garrafa na mão e com um ar de brincadeira dizia-me, “então e eu?”, respondendo eu sem rodeios, “você bebe mais tarde”.


Mal recebeu água o italiano "chamou-lhe um figo", pois a temperatura baixou logo e dessa forma, nós estávamos em condições de prosseguirmos em prova, embora tendo eu sempre um olho na estrada, outro no manómetro.Com o minuto de partida a chegar muito depressa, eu tentava colocar os cintos, que depois de estarem apertados bateu o zero e nós arrancamos, é então que verifico que me tinha esquecido de ligar o capacete, ou seja o primeiro quilómetro de especial o Pedro ia a ditar notas para tudo... menos para mim.


Quando finalmente eu consigo ligar o capacete e pensando que ele se tinha apercebido, digo-lhe, “agora sim canta-me direitinho”, só aí ele se apercebeu que eu vinha com a ficha desligada e comenta, “ou seja, vinha a falar para o tecto”, enfim coisas que acontecem quando a adrenalina está ao rubro. Como a parte inicial da classificativa de Fradelos era a subir, nós optamos por uma toada mais calma, afim de não forçar o pequeno italiano a demasiado esforço, mas depois de passarmos a zona de alcatrão do RIBES e, voltarmos a entrar na terra a primeira coisa que o Pedro me diz ainda antes da nota é, “bota que a festa vai começar”, aquilo foi música para os meus ouvidos, pois eu sabia que mais curva menos curva estariam os amigos dos motores de Famalicão, o João Peixoto, o Alberto Silva, João Ruivo, entre outros que efusivamente me apoiaram na minha passagem. Com o apoio destes e, de outros amigos que ao longo do troço me iam apoiando, eu sentia-me orgulhoso de estar a participar na prova da minha terra.


Entre pequenos duelos entre mim e o volante, lá conclui-mos a primeira especial ficando desde logo na expectativa de qual o lugar em que terminamos o troço e se tínhamos ganho ou não a PEC ao nosso adversário na classe. É aqui, que também, fico a saber que o segundo troço tinha sido anulado, em virtude do incêndio que deflagrou ao inicio da tarde, mesmo no seu interior. Sinceramente para mim, a anulação desta especial foi a cereja no topo do bolo, pois dessa forma, poderia regressar à assistência e resolver o problema do sangrador em definitivo.

Com apenas dez minutos de parque, tudo tinha que correr na perfeição para que o problema fosse sanado em definitivo. Apesar da pouca experiencia da equipa neste tipo de situações, e sob as orientações do Zé Ribeiro, todos se portaram como autênticos profissionais, repondo o carro novamente nas condições ideais para nós realizarmos as duas últimas especiais. O João e o Morais na zona do motor, o Luís e Félix nas rodas e o Costinha acompanhado do Zé Pedro para a gasolina todos foram perfeitos e organizados.


Partimos para a segunda ronda do rali, e aqui tudo já correu conforme tínhamos delineado, a classificativa de Fradelos correu tal como a primeira passagem, sendo curioso o tempo efectuado na segunda passagem, pois em tudo foi idêntico ao da primeira, 9 min e 13 segundos. Na classificativa de Telhado e, em termos de resultado final só tínhamos que gerir, uma vez que liderávamos a classe com boa vantagem, e na geral apenas tínhamos que esperar por azares alheios para subir lugares. E foi isso que aconteceu, entramos para Telhado na sétima posição e terminamos a prova no sexto lugar.

A exemplo da classificativa de Fradelos, a especial de Telhado também tinha no seu inicio uma longa e íngreme subida, que teria de ser feita com muita cabeça, para não levar o italiano a mais um sob aquecimento. E assim foi, calmamente chegamos ao topo e depois de lá estar foi a minha vez de dizer, “a festa vai começar”, duas curvas depois já só vi o Cinquecento virado a um eucalipto, e eu em mais um duelo com volante onde só gritava, “já está, desta não escapo”, mas tudo acabou por não ser nada á excepção do comentário bravo do Pedro em que me dizia, “calma, vais deitar tudo a perder agora!?”.


Calado eu, pois o susto tinha sido grande prosseguimos, até que uns quilómetros mais à frente, tivemos uma ligeira saída de estrada na única falha que o Pedro teve em todo o rali, ditando-me uma esquerda a fundo, quando a curva era á direita e fechada. Como o velho ditado diz, não há duas sem três, nós a partir daqui tivemos que nos concentrar a sério pois não fosse o diabo tecê-las, e á terceira ficávamos de fora. Chegados ao final da PEC, a alegria estava estampada no nosso rosto, assim como no João e o Costinha que por nós esperavam no final da classificativa.


Viemos novamente ao parque de assistência, e aí toda a equipa festejava, não só por termos vencido a classe, como também pelo facto do carro ter chegado ao fim. Mas aqui destaco uma pessoa muito especial que efusivamente saltava numa alegria só, o meu filho Tiago, sendo ele afinal de contas um dos donos do carro juntamente com as irmãs Filipa e Ana.


Veio a cerimónia de pódio, e a festa continuava. Prolongou-se noite dentro com o pequeno italiano a ser exposto no Café Tucano em Castelões, local onde todos os membros da equipa contavam as peripécias vividas desde a preparação até ao dia do rali.


Com tudo isto, que embora um pouco longo tinha que ser escrito, não posso deixar de agradecer uma vez mais o empenho do João, Morais, José Pereira, Edite, Pedro Pereira, Luís, Costinhas, Félix, Armindo, Ranginha, Zé Pedro e o Zé Ribeiro.


Uma palavra também para o Pedro, meu navegador, que apesar da sua pouca experiencia na navegação portou-se ao nível dos melhores, sendo ele, também uma verdadeira máquina de incentivo neste projecto.


A finalizar os agradecimentos, lembro também os nossos parceiros, São Carlos Imobiliária, Enciel Projectos, JNC Outlet, Frutas Sãozinha, Barcelalarmes, Miguel Silva Automatismos, Total Safe, MCS Design, Café Tucano e MPL.


Em jeito de rodapé, resta-me dizer que a motivação da equipa continua, estando-se a preparar para breve uma nova aparição dos Tezos Racing.


Um abraço grande a todos os leitores, boas corridas,


Filipe Martins

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